domingo, 28 de junho de 2015

Cálculo de Combustível: VA x VS

Foto: Shell Brasil

Este é um tópico que, talvez, não teria muito a agregar à grande maioria dos pilotos e alunos, pois é um assunto básico estudado desde o curso de Piloto Privado. Mas por que ainda alguns pilotos passam sustos com o combustível e outros ainda morrem por seu esgotamento? Por que todos os anos, no mundo inteiro, ainda ocorrem acidentes desse tipo?

Bom, em relação ao combustível, vários fatores podem levar a parada do motor: a contaminação do combustível; uma falha na válvula do mesmo; rompimento da mangueira que sai do tanque e abastece o carburador ou o bico injetor de uma turbina; vazamentos durante o voo; falha do liquidômetro; mau gerenciamento do piloto em relação ao tempo decorrido de voo levando a ultrapassar o limite estipulado; e etc.

Em meu post anterior, “Abastecimento de Aeronaves”, eu dei um enfoque diferente do assunto que irei abordar aqui. Dessa vez eu irei reforçar a importância em fazer corretamente o cálculo do combustível, pois errar no mesmo pode resultar em grandes problemas para um piloto, e com sérias possibilidades de ocorrer um acidente fatal. Portanto não arrisque quando se tratar de combustível, um único erro não terá desculpas! 

Para isso irei usar o clássico Robinson R22, como exemplo, que é a aeronave onde a maioria dos pilotos de asa rotativa aprendem a bater as suas asas! Digamos, o “kart” de todo futuro e bom piloto.

Usando uma VA média de 70KT, com um consumo de 35L/h, o R22 beta II poderia alcançar até 226NM e voar com uma autonomia de 3h15min, isso no limite e sem considerar a influência do vento em rota.

Então suponhamos que um piloto voe de um ponto A para o ponto B, sendo que tanto no percurso da rota, como no destino, não haja serviço de abastecimento e cuja distância entre ambos é de 100 NM. Quanto ele precisaria de combustível para concluir sua missão, incluindo o regresso para o ponto A? Basicamente, usando somente a VA média como referência, teríamos aproximadamente:




Até aqui estaríamos no limite operacional do R22, poderíamos acrescentar somente 15min de combustível reserva, que daria 9L, e assim teríamos um tanque no seu limite de 113L usáveis. Mas não podemos considerar os cálculos de combustível somente baseado na VA média da aeronave, pois o vento influencia diretamente no tempo do voo e, consequentemente, no consumo de combustível, logo precisamos levar a VS em consideração! Então se durante a ida do Ponto A para o Ponto B, e segundo o METAR, o piloto descobriu que iria encontrar nessa perna, um vento de proa com velocidade média de 12KT, logo teríamos, aproximadamente, a seguinte realidade:


Aí o piloto se questiona: “Ah, tudo bem, na ida eu peguei vento de proa, mas na volta pegarei vento de cauda e o tempo e o consumo perdido na primeira perna, eu recuperarei no meu regresso”. Será mesmo? Vejamos:


Calculando tudo, só baseando-se na VA, teríamos um total de 3h00min de voo com 104L de combustível a serem abastecidos no tanque (sem estimar o combustível reserva de 20min, que daria 11L a mais e o tempo perdido no acionamento, taxi, circuito e corte do motor). Mas considerando a VS teríamos um total de 3h04min de voo com 107L de combustível no tanque. Repare que ao considerar a VS, tivemos uma diferença, nos cálculos, de 4min e 3L a mais. Embora a diferença tenha sido pouca, isso comprova que não recuperamos o tempo nem o consumo gasto na perna de regresso. Assim, QUANDO SE TRATA DE CÁLCULO DE COMBUSTÍVEL, QUALQUER VENTO IRÁ AUMENTAR O CONSUMO DO MESMO!


Até aqui foi exemplificado um vento moderado e médio de 12 KT, agora imagina se tivéssemos um vento de 25KT? Tudo bem que, pelos limites operacionais do R22, ele não teria nem decolado, mas helicópteros maiores teriam! E que garantia um piloto tem que o clima não possa sofrer uma mudança repentina, a ponto de encontrar tal vento num trecho da rota? Então pra não complicar muito vou usar a mesma base de cálculo usada para o R22, só para comprovar o que foi dito anteriormente:



Então baseando no vento de 25KT teríamos 3h26min de voo com 120L de combustível no tanque! Hummm ... embora o limite de alcance do R22 beta II, de 226NM, não tenha sido ultrapassado pelo total da rota, de 210NM, o limite de autonomia de voo, de 3h15min, foi superado em 11min e como o seu tanque só suporta 113L usáveis, não caberia os 7L, a mais, necessários pra completar a sua missão e muito menos o combustível reserva! Isso significa que, se o piloto tivesse negligenciado a VS nos cálculos do combustível, ele teria partido pra sua missão sem prever o perigo e, consequentemente, o motor iria parar de funcionar pela ausência do mesmo, aproximadamente, a 8 NM do Ponto A em seu regresso e aí seria questão de tempo pra colher as consequências.

Agora pergunto, vale a pena negligenciar a VS nos cálculos de tempo de voo e de abastecimento de combustível?

A conclusão é toda sua!


Bons voos,

Cmte.Resende

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Drones - Uma Nova Ameaça nos Ares

Com o avanço da tecnologia, cada vez mais rápido, não é de se espantar que quase todos os dias testemunhamos novidades na mídia, seja na área da informática, telefonia, automobilístico, saúde e inclusive na aviação. Os Drones ou VANTS (Veículo Aéreo Não Tripulado) foram primeiramente desenvolvidos com intuito de cumprir missões militares e hoje sua comercialização está crescendo rapidamente no mercado civil, desde simples brinquedos para crianças ou avançados para adultos; no uso para fotografias ou filmagens aéreas; para vigilância de fronteiras e eventos importantes ou de estudo em grandes hectares no ramo da agricultura e, até mesmo, como instrumento de pulverização em áreas menores; transporte de boias no salvamento de vítimas de afogamento e etc.


A sua versatilidade é tão grande, que a empresa Amazon pretende incluir o uso de Drones como meio de entrega de mercadorias aos seus clientes e os Estados Unidos estão aos poucos liberando a sua utilização, com voos testes, acompanhados com regras rígidas para evitar que tal meio se transforme num caos aéreo ou que se torne outra ferramenta para terroristas colocarem em ação os seus planos maquiavélicos. Enfim, os Drones chegaram com tudo e será difícil barrar os seus voos, pois o mercado já percebeu o potencial que eles possuem, com uma ampla gama de atuação e, obviamente, com uma grande receita de lucratividade!


Felizmente os Drones virão para facilitar a vida de muitos, mas também, para dificultar a vida de muitos outros, em especial, no meio aeronáutico. Os profissionais da aviação estão acostumados e conscientizados a respeito dos bird strikes e wire strikes, além das pipas e balões que causam imenso prejuízo às empresas do setor onde, infelizmente, vêm acompanhados com alguns índices de fatalidades em suas ocorrências. Agora será questão de tempo para que surja mais uma categoria envolvendo incidentes e acidentes aéreos, os ditos: drone strikes.

Um exemplo é o que ocorreu, recentemente, na Califórnia:

“Duas aeronaves não tripuladas que voavam perto de aeronaves de combate a incêndios, da Califórnia, no espaço aéreo fechado de 24 de junho "poderia ter matado todo mundo no ar", um oficial do Serviço Florestal dos EUA disse em uma coletiva de imprensa convocada para destacar o incidente. O diretor Mike Eaton da Floresta Aviação, um supervisor aéreo táctico, disse que um drone de asa fixa vermelho ou laranja com uma envergadura de 90 a 120cm voaram entre dois aviões de combate a incêndios, a 12.500 e 11.500 pés, que estavam se preparando para soltar o retardador de incêndio no Lago de Fogo no Montanhas de São Bernardino. Um avião “air tanker” (com reservatório de água) estava seguindo as duas aeronaves. Após o encontro com o drone, as três aeronaves interromperam o combate ao incêndio e duas retornaram à base no Aeroporto Internacional de San Bernardino. Como eles fizeram, os pilotos relataram avistar um drone de asa rotativa voando a cerca de 700 pés. Os incidentes levaram os bombeiros a interromperem o combate aos incêndios no dia. O primeiro grande incêndio do ano no sul da Califórnia "certamente cresceu, porque não fomos capazes de largar o retardador", disse Eaton na conferência de imprensa. Na manhã de 25 de Junho, mais de 23.000 acres estavam queimando. Os incidentes levaram os bombeiros reiterarem suas mensagens aos operadores de drones: "SE VOCÊ VOAR, NÓS NÃO VOAREMOS". (Texto traduzido, do site Aviation Today).

Abaixo segue imagens de aeronaves exemplificando o uso do retardador no combate à incêndios:


Um homem também foi preso, em Nova York, por fazer voar um Drone em altitude fora das regras vigentes e perigosamente próximo ao helicóptero da Polícia de Nova York:



Atualmente, no Brasil, existem alguns documentos que tratam a respeito dos Drones/VANTs: a ICA 100-40, a DCA 63-4 e a AIC N 21. Com isso eu encerro o tópico, na esperança que nossas autoridades mantenham "os olhos abertos” referente ao uso dos Drones no Espaço Aéreo Brasileiro, em especial aos arredores de aeródromos e helipontos, procurando conscientizar os profissionais do setor e juntamente com o apoio da mídia conscientizando a população para evitar o uso de tal aparelho, aos arredores dos mesmos. Também, procuro fazer a minha parte conscientizando outros pilotos de asa rotativa e asa fixa, a focarem sua atenção no horizonte em busca dos novos “pássaros mecânicos” dos ares, os Drones!

Um abraço e bons voos.

> Cmte. Resende

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Autorrotação - Uma Habilidade Necessária

Repost traduzido do site Aviation Today, publicado em 25/06/2015.


Foto: Yue Yu (Helicóptero: MD-530F)

“O ponto fundamental é que a autorrotação continua a ser uma habilidade necessária" e todos os pilotos de helicóptero precisam manter o domínio dela, disse o chefe das operações de voo da Agusta Westland da Filadélfia, em uma entrevista recente para 50 pilotos e operadores organizados pela Equipe de Segurança da FAA. 

O executivo, Patrick McKernan, foi um dos palestrantes que cobriu o histórico de acidentes, questões jurídicas, de monitorização de dados de voo e de cultura de segurança durante o dia 02 de junho da coletiva no Museu de Helicóptero Americano em West Chester, Pa. McKernan detalhou a abordagem da segurança através de um treinamento de autorrotação consistente e realista, tanto em um simulador como em um helicóptero. Ele também cobriu os critérios do projeto, incluindo o tempo de reação de piloto para falhas de motor em diferentes partes do envelope de voo e consideração de ambos exemplos verdadeiros e artificiais em um esboço de helicóptero para evitar ambiguidade quando ocorre uma falha. Numerosos estudos de segurança mostram que o treinamento em si da autorrotação é um contribuinte para muitos incidentes, o que McKernan disse reforça a necessidade dos instrutores serem adequadamente treinados nessa manobra.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Sobre o CFIT

Respost de uma matéria, do site Rottaativa, publicado em 21/06/2015, por Cmte.Maurizio Spinelli.

CFIT (ControlledFlightIntoTerrain) – livremente, colisão com o solo em voo controlado, é um termo que foi criado por engenheiros da Boeing nos anos 70 para definir acidentes aéreos oriundos de uma colisão contra o terreno, água ou qualquer outro obstáculo em condições de voo sob controle. Ainda sobre a Boeing, eles realizaram um estudo onde identificaram que esse tipo de acidente é o maior responsável por mortes na era da aviação comercial a jato, com mais de 9000 fatalidades!Meu primeiro contato com essa terminologia foi nos primórdios das aulas de Teoria de Voo durante meu curso de PP (Piloto Privado) com o saudoso Prof. Rances que, por ironia do destino,se envolveu em um acidente fatal a bordo de um R44 no ano passado – as informações preliminares indicam para um CFIT.


O que mais chama atenção é “CONTROLADO”, ou seja, como que uma aeronave controlada pode vir a colidir com alguma coisa? Essa dúvida nos revela a complexidade desse tipo de ocorrência.Acidentes envolvendo terroristas ou pilotos suicidas não contemplam os pressupostos para um CFIT que são a controlabilidade da aeronave e a integridade de seus sistemas. Caso estes não estejam presentes, a ocorrência pode passar a ser chamada de UFIT (UncontrolledFlightIntoTerrain). Por voo controlado, entende-se que o piloto em comando e a aeronave estejam aeronavegáveis no sentido mais completo da expressão. O ser humano gosta de exemplos para entender:


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A imagem acima ilustra com riqueza de detalhes a normal consequência de um CFIT: Destruição e morte. São raras as ocorrências onde se encontre um resultado diferente deste.

Em uma análise mais simplória do evento em tela, percebe-se que as condições não eram ideais para a realização do voo. Para os que se interessarem, acessem ao relatório completo e vejam também os aspectos psicológicos que motivaram a continuação do voo. Inclusive recomendo o acesso regular aos RFs (Relatório Final) que são elaborados e disponibilizados pelo CENIPA, excelente fonte de estudo.

Lembrem-se: Em prevenção de acidentes não há segredos nem bandeiras. Gosto de repetir isso toda vez que cito um RF de acidente. Algumas pessoas, por vezes, ficam chateadas por terem sido próximas dos envolvidos, mas a questão central é que na aviação, infelizmente, aprende-se com as falhas de nossos colegas e o maior sinal de respeito é fazer com que a fatalidade deles não tenha sido em vão, divulgando e mitigando causas prováveis.

Dito isso, gostaria de expor mais um exemplo, que desta vez conta com nuances pessoais, haja vista que os envolvidos eram grandes amigos meus.

Novembro de 2012, voo de instrução a bordo de um R22, condições meteorológicas adversas. Para quem é familiarizado com o Rio de Janeiro, a Serra da Grota funda estava “fechada”, devido ao teto baixo. Meu amigo e aluno, Felipe Berredo estava prestes a checar seu PCH, lhe faltava apenas “navegar” por cerca de 2 horas… Meu amigo, colega de trabalho e INVH Sylvestre Travassos, cerca de 1000 horas de voo, mais um dia de trabalho… Apesar das condições, decidem decolar e realizar o que chamávamos de “mini-navega” para o aeródromo de Angra dos Reis (SDAG), o tempo total serviria para completar o último requisito para a concessão da licença do aluno. Para o instrutor também seria muito bom, pois era um voo que lhe “engordaria” o saldo de horas a receber.

A rota já havia sido voada dezenas de vezes pelo Sylvestre, que durante suas folgas da escola voava um R44 que basicamente só ia para Angra, portanto nada de novo. Apesar disso parecer um dificultador para o acontecimento de um acidente, na verdade serviu como facilitador, serviu como um motivo a mais para embasar a decisão de realizar o voo, afinal era uma missão que poderia ser feita de olhos fechados.

Percebam que o enredo não é muito diferente do primeiro exemplo apresentado.

O Robinson R22 é uma aeronave muito simples. Não possui sistemas que permitam gravações de parâmetros de voo, muito menos “caixa preta” para análise de vozes, ainda assim, pela dinâmica dos fatos, tudo leva a crer que no momento em que tentaram passar pelo “V” da Grota Funda no sentido Recreio/Angra, foram surpreendidos pela baixa visibilidade e tentaram retornar para reestabelecer condições visuais de voo. Na chamada curva de reversão, vieram a colidir com a vegetação da serra e ambos perderam suas vidas.

Já disse antes, esse acidente me é muito próximo pois conhecia muito bem os envolvidos. Conhecia muito bem a aeronave. Conheço muito bem a região da ocorrência. Dois grandes amigos se foram.

Participei em primeira pessoa da remoção dos destroços do local. Para ilustrar a violência do impacto, posso dizer que até mesmo um piloto que visse o rescaldo sem saber do que se trata, teria dificuldades em entender que aquilo era uma aeronave. Um amontoado de metal contorcido. Foram necessários seis homens para remover a cabine da árvore que absorveu o impacto. Seis.

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Ainda não existe RF do CENIPA sobre o acidente, entretanto o mesmo já foi catalogado como CFIT para a ANAC.

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Cmte. Marquinhos, eu, Berredo e Sylvestre – O Berredo era o caçula da galera e “sofria” com nossas brincadeiras. Nesse dia da foto, achamos por bem deixá-lo de samba-canção, que era de algum tema infantil que agora me foge à memória. A tarja “censurado” fazia parte da brincadeira, pois a divulgamos amplamente para todos os outros alunos da escola! Os carrego assim, para sempre, em meu coração.

Como colunista do RottaAtiva e especialista em segurança de voo, sou muitas vezes incumbido de trazer temas, assuntos e exemplos tristes. Faz parte. Alguns pilotos, e me incluo neles, precisam vez em quando de um choque de realidade para entender que apesar de termos o privilégio de trabalhar voando, profissão considerada por muitos como a mais bonita,  também temos o revés desse glamour bem presente no nosso dia-a-dia: nossa profissão mata ! Ainda existem aqueles que insistem em se esquecer disso. Ainda existem aqueles que se acham super-heróis. Ainda existem aqueles que preferem pensar que essas coisas só acontecem com os outros. Mera ilusão! Nenhum piloto (exceto os raros casos dos suicidas) acorda pela manhã coma vontade de se envolver em um acidente aéreo e perder sua vida – e algumas vezes – levar outras consigo.

O fator que, geralmente, permeia um CFIT é o humano. Nenhuma novidade. Segundo o FCA 58-1 “Panorama Estatístico da Aviação Civil Brasileira – 2015″, que analisa o decênio de 2005 a 2014, o Julgamento de Pilotagem é o primeiro responsável pelos acidentes neste período. Inclusive trato sobre isso no meu artigo anterior “O Que Derruba um Helicóptero”.

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Essa estatística vem corroborar com outros estudos que apontam que o homem é responsável por mais de 80% dos acidentes aéreos.

Durante essa semana, a comunidade de pilotos de asas rotativas foi abalroada com a notícia da morte de mais um colega. Esse evento é recente, portanto todo cuidado é pouco na hora de tecer comentários e especulações. O panorama não é muito diferente de todos os outros exemplos que citei até agora. Tempo ruim, falha no processo decisório e algum tipo de incentivo/motivação/pressão em concluir a missão:Fortes indícios de CFIT.

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Apesar de não ter tido o privilégio de conhecê-lo, os comentários acerca do piloto envolvido, Cmte. Felipe Piroli são unânimes: Piloto padrão, pessoa sensacional, com alto senso de humor e capacidades de pilotagem acima da média! Não parece nem de longe alguém que tenha decidido se acidentar por livre e espontânea vontade. Aproveito para registrar meus sinceros e profundos pêsames às famílias e amigos dos envolvidos.

A expectativa é que quando um proprietário de aeronave contrata um piloto este entenda e respeite as indicações fornecidas, ou seja, que quando o piloto opte por cancelar ou postergar alguma missão, que o patrão acate a decisão acreditando no preparo do funcionário contratado. A realidade é diferente. Cada vez mais tenho sido informado de patrões que deliberadamente forçam a barra para a concretização de missões. Não foram poucas as vezes que me deparei com pilotos pousando em estado catatônico por sustos que passaram durante as tentativas de levar a cabo seus voos. O cenário de crise financeira e política no Brasil atinge diretamente o mercado de asas rotativas e vem prejudicar certas decisões, pois o temor de dar negativas a seus chefes pelo receio de perderem seus postos de trabalho e terem dificuldades de serem realocados está mais presente. Por outro lado, também existem os pilotos que, deliberadamente, expõem-se a riscos desnecessários, fazendo com que os operadores fiquem acostumados a concluir seus voos em qualquer condição, gerando assim um ciclo vicioso que geralmente só é interrompido por uma catástrofe.

Ainda outro aspecto: Consciência situacional. Por muitas vezes um piloto mais experiente pode estar mais próximo de um acidente do que um recém-formado. Estes por muitas vezes negligenciam aspectos básicos do voo como planejamento, consulta a meteorologia etc. Durante minha pesquisa para elaboração deste texto, tive a grata surpresa de encontrar um artigo do Cmte. Lucas Vieira, em português, que também trata de CFIT, mas nesse caso específico, gostaria de transcrever as palavras do autor no que se refere a consciência situacional, ou alerta situacional:

“Consciência situacional pode ser definida como: “a percepção precisa dos fatores e condições que afetam uma aeronave e sua tripulação durante um período determinado de tempo”.

De maneira simplificada, ter consciência situacional significa estar ciente do que se passa ao seu redor e com o pensamento à frente da aeronave.Esta percepção é afetada por diversos fatores, tais como: estresse, inexperiência, conflito interpessoal, expectativas, fadiga, desinteresse, distração, carga de trabalho e complacência, entre outros.

O excesso de confiança no controle de tráfego aéreo, sem o devido acompanhamento da navegação pelo piloto, e a tentativa de voo por referências visuais quando em condições meteorológicas desfavoráveis constituem dois cenários característicos e propícios à perda de consciência situacional.

Sua manifestação é notadamente maior no tocante à situação vertical da aeronave com relação ao solo ou obstáculos. (…)


Presente em 100% dos casos de CFIT, esse aspecto representa, em parte, a própria essência deste tipo de ocorrência, uma vez que, por definição, o acidente ocorre sem que a tripulação tenha consciência da rota de colisão na qual a aeronave se encontra”.