segunda-feira, 6 de julho de 2015

Álcool x Voo


Este breve tópico não foi elaborado e inspirado em um acidente midiático ou recente, sob influências dos efeitos do álcool, pois isso seria um ato oportunista da minha parte e, sinceramente, prefiro o ato preventivo! Afinal, sempre é mais eficiente prevenir que remediar. Então cá entre nós, comandar uma aeronave sob o efeito de álcool é seguro? A resposta é tão lógica, que até os infratores, no fundo de suas consciências, concordariam que não! Mas por que ainda existem pilotos (minoria) arriscando comandar uma aeronave sob o efeito de álcool?

Paul Craig, em seu livro “A Zona da Morte”, disse algo muito verdadeiro: “A interação de álcool e drogas com o voo é um terreno escorregadio. Se não estivessem sob a influência de álcool ou drogas, os pilotos pensariam com clareza e nunca considerariam voar com debilidades. Mas, depois de consumir álcool e/ou drogas, o pensamento normal e racional desaparece. Assim que perdem o bom senso, eles acreditam que podem lidar com os voos. Mas o próprio fato de que estejam considerando a ideia de voar é um sintoma de que já estão sob os efeitos de álcool e/ou drogas”.

Penso que o efeito do álcool já tenha prejudicado a tomada de decisão do futuro infrator, desde o seu primeiro voo, e os que sobrevivem ao ato ilícito e irresponsável, podem se acostumar com o “heroísmo” e com a impunidade das brechas de fiscalização, logo o erro se torna cada vez mais frequente até que o pior acontece! Isso, talvez, possa explicar o porquê da existência dessas infrações ainda ocorrerem neste imenso espaço aéreo brasileiro e por todo o mundo.

Infelizmente não possuo dados estatísticos para exemplificar os números das infrações flagradas antes ou pós-voo e nem do número de acidentes ocorridos devido a presença de álcool no sangue de tripulantes operando uma aeronave, mas todos nós sabemos, mesmo sem provas, que tais infrações ainda são praticadas.

Segundo a IAC 2225:

“1 – Nenhuma pessoa poderá atuar como membro de tripulação de aeronave civil brasileira:
a – dentro de 8 horas após ter ingerido qualquer bebida alcóolica;
b – enquanto estiver sob efeitos de bebida alcóolica, apesar de fora do prazo estabelecido na letra “a”, anterior”.

As leis e regras existem para nos proteger e para controlar/reprimir os comportamentos e ações nocivas de indivíduos que agem contrariamente ao bem comum. Logo é bom saber que existe uma regra a respeito do álcool na aviação, mas será que essas 8 horas de repouso são o suficiente? Isso é muito relativo, pois a eliminação do álcool pelo organismo de uma pessoa depende do peso dela; do teor alcoólico da bebida; da quantidade ingerida; da capacidade do corpo, de cada indivíduo, em metabolizar e excretar essa substância e etc. Então creio que tal regra tenha sido baseada numa média (que desconheço), mas segui-la pode não ser tão eficiente e seguro como o piloto saber usar o bom senso!

No meu post anterior, FAA – Álcool e Voo, consta a tradução de um folheto da FAA alertando sobre os efeitos do álcool no organismo do piloto, uma das informações que vale mencionar para confrontar as 8 horas da regra acima é a seguinte:

“Mesmo depois da eliminação completa de todo álcool do corpo, há indesejáveis efeitos restantes que podem durar de 48 a 72 horas seguintes da última bebida ... Um piloto, com sintomas de ressaca, certamente não estaria apto a operar uma aeronave com segurança. Além disso, um piloto nessas condições poderia facilmente aparentar estar sob influência de álcool”.

Eu também desconhecia tal efeito, ou melhor, sabia empiricamente, mas após a leitura do folheto, minha prevenção vai se estender além das 8 horas “de repouso” exigido pela regra. Afinal, não precisa ser um consumidor impulsivo de álcool para se prejudicar, mesmo bebendo socialmente, efeitos indesejáveis podem ocorrer e certamente seria melhor não levá-los consigo durante um voo!

Vamos tentar compreender o assunto, imaginando um piloto, pesando em média 80kg e frequentando um ambiente social, este resolve “pegar leve” e toma somente 1 (uma) lata de cerveja, só para molhar o bico ou não fazer feio com os amigos e colegas. Segundo a calculadora de teor alcóolico no sangue, este seria o resultado:




RMK: Quanto mais leve for a pessoa, maior será a concentração de gramas/álcool por litro no sangue e mais tempo esta precisará pra eliminar todo o álcool.

E as comandantes? As mulheres também são mais sensíveis, se formos comparar com base no exemplo acima, o resultado seria:


(Comandantes, não fiquem bravas comigo, os 80kg é só um exemplo!  rsrsrs)

Não precisamos ser catastróficos simulando os dados acima durante um voo, pois se estando 100% o voo já exige 100% de nós, imagina estarmos a 70%, 60%, 50%...? Mas lembrem-se, todo voo inicia-se no solo e deve terminar no solo! Então supondo que um piloto resolva conduzir um veículo, antes do período de eliminação do álcool em seu organismo e o mesmo, POR SORTE é flagrado, por um oficial de trânsito, conduzindo o veículo sob influência alcóolica. Hummmm ... é nessas horas que se aprende uma dura lição: o peixe morre pela boca!

E agora, como o piloto se deslocará até o trabalho, com agilidade, sendo que sua profissão exige prontidão ao cargo? Além de uma multa no valor de R$1.915,30 vai perder o direito de conduzir veículos por 1 ano, isso se não for preso! Mas seria uma boa alternativa contar com as caronas, táxis, ônibus, bicicletas ou caminhadas até o trabalho? Seria prudente arriscar a condução de um veículo, com a CNH retida, infringindo novamente a lei? É muita dor de cabeça por causa de uma mera lata de cerveja não é mesmo? Enfim, tomem cuidado com as clássicas “Happy Hours”, em especial no final de palestras com o intuito de confraternização e seus champanhes. Antes, pergunte-se se você terá tempo ou paciência pra esperar mais 2 horas, antes de reconduzir um veículo.

A porcentagem de álcool, em cada tipo de bebida, pode ser consultada na tabela abaixo:



Fonte: CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool


E pra finalizar, abaixo segue uma lista, do CAMI (Instituto Aeromédico Civil da FAA), referindo as consequências da concentração de álcool no sangue:


0,01 - 0,05%
A pessoa parece normal.
0,03 - 0,12%
Leve euforia, tagarelice, diminuição da inibição, diminuição da atenção, julgamento prejudicado, reações lentas.
0,09 - 0,25%
Instabilidade emocional, perda de senso crítico, comprometimento da memória e compreensão, diminuição da resposta sensorial, leve descoordenação muscular.

RMK: Concordando ou não, estudos comprovam e aqui entraria o exemplo de 1 lata de cerveja, conforme calculado anteriormente.
0,18 - 0,30%
Confusão, tontura, emoções exageradas (raiva, medo, tristeza), percepção visual prejudicada, diminuição da sensação de dor, equilíbrio comprometido, andar cambaleante, fala arrastada, descoordenação muscular moderada.
0,27 - 0,40%
Apatia, alterações da consciência, estupor, resposta significativamente reduzida à estimulação, descoordenação muscular grave, incapacidade de ficar de pé ou andar, vômitos.
0,35 - 0,50%
Falta de consciência, reflexos deprimidos ou abolidos, temperatura corporal anormal, coma, possível morte por paralisia respiratória.


Então vimos que os efeitos do álcool interferem nos princípios de um voo seguro, desde a coordenação motora necessária pra operar uma aeronave; a compreensão e a consciência situacional durante o voo; os sentidos da visão e audição; além do julgamento, que fica prejudicado nas rápidas tomadas de decisão. Se conduzir um veículo sob o efeito de álcool já é perigoso, conduzir uma aeronave sob o efeito do mesmo é um ato de insanidade! Além de criminoso, a probabilidade de ocorrer uma fatalidade aumenta drasticamente.

Reflita se vale o risco? Obviamente a legislação de trânsito deve ser respeitada, mas você já não é somente um motorista ou motociclista no trânsito, você é um(a) piloto, possui uma responsabilidade maior e deve respeitar, também, as regras da aviação! Você possui um cargo de confiança e um patrimônio caríssimo foi confiado e encontra-se ao seu comando; multas aeronáuticas são caríssimas e podem arruinar a sua vida financeira, desapontar o seu patrão e acabar com a sua carreira; ao seu comando vidas são transportadas; vidas trafegam embaixo, acima e aos lados; vidas interagem com você na fonia e dependem da sua boa comunicação para auxiliá-las; vidas são deixadas para trás sentindo uma terrível tristeza e saudade da sua presença, caso venha a falecer, num acidente, em consequência do álcool; e nada disso tudo será necessário exemplificar se, antes, você prezar por sua vida!


Saúde e bons voos,


Cmte.Resende

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